Entrevista com Ruy do Amaral Pupo Filho publicado no Jornal Zero Hora – Porto Alegre, 01/03/97
Quando o pediatra, neomatologista e sanitarista Ruy do Amaral Pupo Filho, 45 anos, se formou, em 1979, não tinha tido sequer uma aula sobre genética clínica. Seu conhecimento sobre Síndrome de Down resumia-se a uma mistura de parcos conhecimentos técnicos e vastas doses de desinformação e preconceito. Assim, não era de se estranhar sua reação, dois anos depois, ao deparar com uma criança portadora desta anomalia genética. “Mas por que tanto choro, será que os pais não sabem que ele é mongol?”, pensou.
Há sete anos, Pupo Filho assistiu ao parto de sua terceira filha. Ele pressentiu que havia algo de anormal com a criança. A confirmação veio pouco tempo depois. Os exames mostravam que Marina era portadora da Síndrome de Down. O médico teve de revisar tudo o que sabia sobre a anomalia genética que ele mesmo, de forma preconceituosa, havia chamado de mongolismo. O resultado está no livro Síndrome de Down – E agora, doutor?, que está sendo lançado pela editora WVA.
Na obra, Pupo Filho conta como superou a decepção inicial e saiu em busca de informações atualizadas sobre o que é a doença. Fundador da Associação de Pais de Filhos com Síndrome de Down – Up Down, em Santos, São Paulo, hoje participa também de um grupo internacional de especialistas encarregados de difundir o que existe de mais avançado em termos de tratamento.
Entrevista
Marina completou sete anos no dia 2 de fevereiro. Ela está muito bem, até dá autógrafos”, descreve o pai, Ruy do Amaral Pupo Filho, que aprendeu a amar e respeitar as diferenças de sua filha. Tanta dedicação rendeu-lhe o título de “Pai do Ano” dado por uma revista nacional, em 1995, e o convite para aparecer no programa de televisão “Gente que Faz”, da Rede Globo. Em entrevista por telefone a Zero Hora, Pupo Filho contou, entusiasmado, suas conquistas à frente da Associação Up Down e como pai de Marina.
– Desde que o senhor ficou sabendo que a Marina tinha Síndrome de Down, o que mudou na sua vida?
– Depois que a Marina nasceu, percebi a necessidade de uma conscientização da sociedade sobre Síndrome de Down. Não adianta a Marina, ou qualquer outra criança com essa anomalia genética, ter um desempenho pessoal ou social excelente, se ela chega num lugar e é discriminada. Isso me deu uma causa por que lutar.
– Por que ainda há tanto preconceito e desinformação na sociedade, inclusive entre os próprios médicos?
– É uma questão histórica. Até poucos anos atrás, as crianças com Síndrome de Down eram enviadas para alguma instituição, não ficavam com a mãe. A criança morria cedo pelo abandono e por falta de cuidados. As que conseguiam sobreviver tiveram uma evolução muito ruim, pela falta de tratamento. Esse estigma ainda é muito forte. O médico, por sua vez, não tem informação porque não lhe é dada durante sua formação profissional. Por isto o livro é voltado também para os pediatras.
– O que há de novo no tratamento da Síndrome de Down?
– A perspectiva é a descoberta de terapias com medicamentos. O cromossomo 21 – aquele que apresenta a anomalia Síndrome de Down – é composto por cerca de mil genes. Hoje, já se conhece 50 deles, incluindo um que fabrica uma proteína envolvida com as alterações cerebrais. Conhecendo esta proteína, fica mais fácil descobrir e sintetizar um remédio que bloqueie sua ação. A conferência internacional sobre Síndrome de Down, que se realizará em Barcelona, em março, vai mostrar em que pé estão as pesquisas.
– O que o senhor diria para um pai que descobriu que seu filho tem Síndrome de Down?
– Os pais têm na cabeça ainda um estereótipo antigo. Isso os leva a um sofrimento que, na maioria das vezes, é desnecessário e infundado. Estes dias eu estava observando a Marina e pensando o que eu faria diferente no tratamento que dei para ela. E, na hora, pensei que gostaria de tê-la amado desde o primeiro minuto, como a amo hoje. Não foi o que aconteceu, tive uma dificuldade inicial. À medida que a gente conseguiu mudar a sociedade, aí sim, quando houver um nascimento, os pais vão reagir diferente.
– Muitos pais se queixam de que os filhos com Síndrome de Down não têm uma perspectiva depois dos 18 anos, quando saem do colégio. Como resolver este problema?
– Qualquer filho, com Síndrome de Down ou não, precisa ser preparado para uma vida independente. Se o filho chega aos 18 anos e você pensa “O que vou fazer com ele?”, você perdeu 18 anos. Na nossa associação temos um trabalho com adolescentes e adultos. Estou preparando a Marina para ser independente, como faço com meus outros filhos também. A tarefa dos pais é árdua: a gente tem de mudar o mundo para aceitar os filhos, e prepará-los para ocupar um espaço. Não é fácil, mas é recompensador.
– O que o senhor espera para o futuro da Marina?
– A minha meta sempre foi fazê-la uma pessoa feliz, seja lá o que ela venha a fazer na vida, ou o que tenha capacidade de fazer. E a Marina é uma criança escandalosamente feliz da forma como está se estruturando, com independência e auto-estima. O que virá eu não sei, como não sei em relação aos meus outros filhos. Mas a expectativa é muito boa.