Orientações sobre avós e irmãos

Avós podem muito


Evaristo Eduardo de Miranda e Liana John(*)

Perguntaram a Sofia, uma menina especial de nove anos, o que ela gostaria de ser quando crescesse. Ela respondeu: – Eu gostaria de ser avó! Ao ser interrogada sobre o porquê dessa idéia, ela completou: – Porque as avós escutam, compreendem. E além do mais, a família se reúne inteirinha na casa deles. Os avós podem muito quando um casal tem um filho deficiente, mas nem sempre recebem a devida atenção, nem lhes são dadas as oportunidades adequadas para manifestar seus dons.

A revista trimestral francesa Sombra e Luz (Ombres et Lumières), de inspiração cristã e dedicada as pessoas especiais e seus familiares e amigos, editou recentemente um número (116) dedicado ao papel dos avós junto as famílias que têm filhos especiais. A questão foi tratada sob diversos pontos de vista, sempre destacando a valiosa presença dos avós nesses casos.

Trata-se de uma reflexão muito rica. Na França existe, até, um serviço de orientação psicológica específico para os avós, cujos filhos tiveram uma criança trissômica. Neste artigo apresentamos – à luz de nossa experiência – um resumo de alguns dos temas e assuntos abordados na revista, especialmente dos artigos da Dra. Marie-Odile Réthoré, colaboradora e continuadora do trabalho do Professor Lejeune, no Instituto de Progênese em Paris, entre outros.

Sob o impacto da notícia

Diante de um diagnóstico pré ou pós natal de síndrome de Down, freqüentemente os jovens pais se confiam aos seus pais, buscando um reconforto afetivo, uma escuta atenta e, de certa forma, a referência de valores que banharam suas infâncias.

Se a pressão da área médica ou de outras pessoas é muito forte em favor de um aborto, o diálogo entre mãe e filha pode ter um papel considerável – num sentido ou no outro – mesmo se a decisão final é do casal.

Quando a criança nasce, os avós tendem a envolver o jovem casal e o bebê de uma presença afetiva reforçada. Mas não se pode esquecer que eles sofrem também a prova moral e espiritual, intolerável, ao ver esse pequeno ser inocente e sem defesa, atingido física e mentalmente. Ao anunciar o fato, os pais deveriam ressaltar a chegada do neto, da neta, que tem nome, que é uma pessoa única e querida, e não apresentar aos avós uma anomalia genética.

Para os avós, o nascimento de um bebê com trissomia pode romper uma série de sonhos familiares, de continuidade, de fertilidade, de linhagem e de patrimônio familiar. Os avós vêm seus filhos e filhas desesperados, desestabilizados, revoltados e muitas vezes se sentem impotentes, inúteis. Temem pelo futuro de suas famílias.

Alguns perdem a coragem de fazer perguntas sobre o assunto ou de propor aos filhos seus serviços. Temem ser indiscretos, reavivar uma ferida, complicar a vida do casal, já tão complicada! Mesmo nas visitas a terapeutas, é comum os avós segurarem as crianças no colo, as distraírem para que os pais possam falar livremente, mas eles não formulam uma só pergunta. Escutam, discretamente. Quanta coisa gostariam de perguntar, quantas respostas desejariam ouvir, mas os avós ficam em silêncio.

Muitos esperam ser chamados para ajudar o casal de alguma forma, e quando nada vêm, eles se voltam sobre si mesmos, angustiados, muitas vezes com mágoa, remorso e até rancor. Desenvolvem um sentimento de inutilidade, de não servir mais para nada.

Outros sentem que se tornam um peso ainda maior na vida dos filhos, agora com outro, pesadíssimo, para carregar. Ocultam seus problemas de saúde, financeiros, psicológicos… beirando a irresponsabilidade. Falam menos de si e saem de cena para, pretensamente, não sobrecarregar os filhos.

Outros ainda se preocupam sobre o futuro equilíbrio do casal, receiam uma separação, temem pelos outros netos… chegam a desejar ou sugerir que o bebê seja encaminhado para alguma instituição especializada.

Alguns poucos avós vivem processos de rejeição profunda. Sem contato com a criança, sem vê-la, sem acariciá-la, se limitam a reconhecer que são avós de uma patologia e não de uma pessoa. Tomam distância. Como dizia um avô: “Suas explicações são boas, podem chamar isso como vocês quiserem, mas essas crianças são uma calamidade”. Alguns declaram que aquela criança não é sua neta!

Convocados para ajudar

Os excessos dos avós podem ocorrer. Tanto no sentido de uma superproteção intervencionista, como num distanciamento demasiado, até por timidez. Nisso os pais podem atuar, de forma recompensadora.

É dever dos pais de lhes indicar livros, revistas e artigos que possam esclarecê-los, ajudá-los… inclusive leituras que os pais não tiveram tempo de ler. Que eles informem os próprios pais sobre determinado assunto. Que eles encontrem por si mesmos respostas para muitas perguntas.

É extremamente válido receber a criança em casa, se os avós se sentem capazes. De lhes propor, com delicadeza, de segurar a criança… e se organizar do ponto de vista prático para que os avós possam ficar um pouco com a criança, ajudando e participando de pequenas atividades.

Os pais devem poder contar com os avós, com sua experiência de vida e do sofrimento e sobretudo com sua capacidade de abrir um grande coração para essas crianças deficientes, que nunca os esquecerão. É comum o jovem trissômico lembrar e rir das histórias que lhe contavam os avós, até em sua idade adulta. É freqüente também que o jovem ou a jovem trissômica possa ajudá-los, fazendo e levando compras para eles ou com eles e colaborando em pequenas tarefas.

Para as crianças especiais, a morte dos avós é extremamente dolorosa e, em geral, a primeira experiência com essa dura realidade. Esse tema e essa passagem também devem ser preparados no caso das crianças especiais. Aliás, todos devem se preparar, já que face ao mistério da morte, eles não são mais deficientes do que nós.

Outro aspecto diz respeito aos irmãos, primos… a chamada fratria. Não é fácil ter um irmão ou primo deficiente. Muitos meninos e meninas não ousam fazer determinados comentários aos pais. Eles tem ciúmes e vergonha… É muito mais fácil falar de tudo isso, ao longo de um passeio sozinho, com o avô ou jantando a boa comida da avó.

Se o sofrimento dos avós é grande, também é imensa sua paciência e sua ternura. Eles já amaram tanto e sofreram tanto que saberão encontrar, no dia a dia, a força da palavra e do gesto que torna possível o compartilhar.

Nós conhecemos casos de avós que suprem, material e educativamente, as crianças trissômicas, devido ao desaparecimento dos pais, a separação do casal ou mesmo dada a extrema juventude da mãe. No Brasil, esse papel pode assumir uma importância decisiva para o futuro da criança.

No plano espiritual, os casos de presença supletiva dos avós são muito mais freqüentes, mesmo se isso supõem uma “neutralidade atenta” dos pais. São os avós que ajudam a criança especial (e as outras) nos seus passos intuitivos na busca de Deus. São eles quem lhes ensinam as primeiras orações, lhes contam histórias sagradas e os levam nas missas, cultos etc.

Entre um intervencionismo desequilibrado e uma discrição excessiva, a maioria dos avós se deixa guiar pela “inteligência do coração”. Mas eles desejam – mais ou menos conscientemente – serem ajudados e guiados nessa estrada difícil. Eles gostariam de encontrar outros avós de crianças deficientes, assim como os pais o fazem… Tudo para ajudar melhor essa pequena criança, que não é de sua responsabilidade, mas que eles amam tanto! Os pais podem – com jeitinho – proporcionar essas ocasiões.

Escutar, compreender e reunir

Mesmo nas situações em que há pouco a fazer, os avós podem muito. Ao acompanhar casos gravíssimos de cardiopatias ou leucemia, nos momentos em que qualquer ação parece impossível, são os avós que rezam. A eles são pedidas orações. Os avós são intercessores maravilhosos junto a Deus. E “a misericórdia de Deus se estende sobre os filhos dos seus filhos” (Salmos 102, 17).

Ao desejar ser avó, Sofia resumiu perfeitamente três das principais capacidades dos avós: escutar, compreender e reunir. Os avós escutam. Eles têm tempo. Se aposentados, seu ritmo de vida diminui. Enquanto pai e mãe trabalham, os avós estão disponíveis. O pai e a mãe levam os filhos para escola correndo, avisando que estão atrasados, pedindo para andarem logo… Com os avós, eles caminham tranqüilamente. Seus passos estão harmonizados. Uma das graças dos avós, ao acolher nossas crianças, é a de lhes dedicar um tempo de admiração, maravilhamento… Eles saboreiam as perguntas das crianças, compartilham suas pequenas alegrias, ouvem suas queixas e tristezas, mágoas e injustiças…

Os avós compreendem. A discrição dos avós é capaz de guardar os segredos dos adolescentes, as aventuras dos jovens, suas confidências dolorosas… muitas vezes negadas aos ouvidos dos pais. Os pais são a lei, os avós são o sonho. Eles são freqüentemente um espaço de tolerância e aceitação, capazes de compreender tudo e todos.

E finalmente, os avós reúnem a família. Suas casas são locais encantados onde ocorrem as celebrações natalinas, a Páscoa, as passagens de ano… lugares onde se saboreiam pratos diferentes. Hoje em dia, essas reuniões se tornam mais raras e difíceis, com as famílias nucleares e seus infinitos afazeres. Mas a família ampla é um dom, permite a criança especial de tomar consciência de suas raízes, de participar de uma memória comum, de uma herança de gerações. Essa experiência convida a ampliar a vida comunitária, a solidariedade nas dificuldades e passagens difíceis. Os avós tem essa graça de manterem – até onde é possível – os laços familiares. Às vezes só se percebe isso, quando eles não estão mais aqui. Mas o vivido na infância, na casa dos avós, é uma marca para o resto da vida.

É evidente que nenhuma generalização é possível. Existem avós isolados em clínicas e casas de geriatria. Existem avós sem condições físicas ou psicológicas de participar da vida dos filhos e netos. Existem avós isolados e segregados. Mas para a maioria deles, escutar, compreender e ser um traço de união parece uma agradável missão. Eles não podem, nem devem, ser marginalizados das informações e da convivência com os netos especiais. Os avós vão buscar – e entregam às nossas crianças especiais- tesouros que eles não possuem! A força do amor e do desejo são de um infinito poder. Ao contrário do que alguns pais pensam, os avós podem muito.

 


(*) Dr. Evaristo Eduardo de Miranda é doutor em ecologia, professor da USP, pesquisador do Núcleo de Monitoramento Ambiental da EMBRAPA, conselheiro da Fundação Síndrome de Down e autor dos livros “Água, Sopro e Luz – Alquimia do Batismo” e “Agora e na Hora – Ritos de passagem à Eternidade” (Ed. Loyola).

mir@cnpm.embrapa.br

Liana John é jornalista profissional desde fevereiro de 1977, tendo se especializado em Ciência e Meio Ambiente a partir de 1983. Assumiu o posto de “repórter Internet” da Agência Estado em 1995.

liana@terradagente.com.br

Meu irmão é diferente!


Quando pensamos numa pessoa portadora de deficiência, sobretudo se ainda for criança ou adolescente, logo pensamos no envolvimento de seus pais, nos seus sentimentos, preocupações e responsabilidades por aquele ser mais dependente que outro filho qualquer.

E os irmãos do portador de deficiência? Como essa condição afeta seu desenvolvimento, o que lhe acarreta a nível emocional? Será que é fácil conversar com os pais sobre isso?

Ninguém está preparado ou espera ser pai, mãe ou irmão de uma pessoa portadora de deficiência. A presença dessa criança na família afeta todos os seus membros, e de maneira especial os irmãos.

O filho e irmão deficiente nunca é desejado e, quando acontece, desperta sentimentos de perda,, culpa, raiva, negação, vergonha, pena, medo, e tantos outros, complicadores do desenvolvimento das relações na família e da personalidade dos seus irmãos.

Descobrindo a diferença

“Eu tinha seis anos quando o Carlos nasceu e estranhei bastante o fato de minha mãe ter voltado da maternidade sem um bebê no colo”, conta Bete Christianini, atual conselheira e sócia fundadora da Apabb. “Meus pais explicaram que nosso irmão ficaria um tempo ainda no hospital, porque precisava de cuidados. Em momento algum, porém, transpareceu qualquer clima angustiante, pesado, ou o que valha. Do seu desenvolvimento moroso, da sua diferença patente, todos sabíamos, mas para nós isso não tinha importância, não sentíamos que ele se enquadrava em outra categoria. Ele era nosso igual, muito querido”.

Vanessa Braga Matijascic, 13 anos, fala com muito carinho do seu irmão Tiago, 11 anos e portador de Síndrome de Down. “Lembro-me de quando ele estava no carrinho ou berço e eu brincava com ele. Não tinha nenhuma noção de sua deficiência. Até eu ter 4 ou 5 anos considerava o Tiago normal. Só quando eu já estava me alfabetizando é que fui percebendo que ele ainda não falava, dependia dos meus pais para tomar banho, colocava fraudas para dormir. Tinha também umas manias estranhas, ele roía cadeira de madeira, a televisão. Eu fui me acostumando com o jeito dele e com o tempo fui percebendo que tinha problemas”.

A posição na família

Segundo estudiosos dos tipos de famílias existentes, algumas características de temperamento das crianças são determinadas pela posição de nascimento na família. Isso também acontece em relação à criança portadora de deficiência; sua posição na família pode provocar diferentes formas de reação por parte dos irmãos. Quando Mônica Fernandes Oleas, hoje com 35 anos, nasceu, sua irmã Márcia, portadora de Síndrome de Down tinha 3 anos. “Ela já existia quando eu nasci”, nos fala Mônica, “então foi sempre uma coisa muito natural. Sempre a olhei como uma pessoa até certo ponto normal, apesar das limitações; mas tenho certeza que isso é devido à educação que a Márcia recebeu, graças à dedicação da minha mãe”. Da mesma forma natural foi a convivência de Débora Taís Cezar, 18 anos, e de Kátia Regina Cezar, 16, irmãs de Cláudia, atualmente com 20 anos. “Como ela nasceu primeiro”, fala Kátia, “eu só fiquei sabendo quando tinha mais ou menos 7 anos, porque eu percebia que ela não podia fazer certas coisas que eu já fazia. Aí perguntei para minha mãe, que explicou ter sido acidente de parto”. Débora completa: “Ela sempre brincou com a gente, saía conosco, não havia separação. A gente sabia, mas tratava normalmente. Só comecei a sentir na adolescência, quando comecei a sair à noite e ela não podia”.

Revelando os sentimentos

Os sentimentos desenvolvidos pela presença de irmãos portadores de deficiência variam bastante e são muitas vezes contraditórios. Entretanto, são bastante comuns, inclusive presentes nas famílias onde não existem crianças deficientes, como o ciúme ou a raiva.

“Eles cuidam do Tiago de um jeito diferente do meu”, conta Vanessa. “Não escovavam meus dentes, eu tinha que ir para a cama sozinha. Eu sentia ciúmes quando meus pais cantavam músicas de ninar para o Tiago, ele dormia e o levavam para o berço. Às vezes eu fingia que estava dormindo também para eles me levarem no colo, mas eles sabiam que eu estava acordada e falavam para eu ir sozinha, porque eu era muito pesada”.

Estela emociona-se muito ao falar da irmã. “Não é superlegal ter uma irmã assim, é difícil, eu não sou legal com ela. Em casa ela me enche muito o saco, manda eu calar a boca, fica me batendo. Eu fico com raiva, saio de perto, tenho vontade de bater nela. Ela precisa de mais proteção e minha mãe faz carinho nela de um jeito diferente do meu.”.

Outros sentimentos revelados, como vergonha, pena ou excesso de preocupação, parecem bem trabalhados pelos irmãos nas famílias. “Sinto certo constrangimento quando a Emília começa a gritar no meio de todo mundo”, fala João. “Mas lembro de mim quando tinha a idade dela (14/15 anos) e eu também era muito chato, insuportável. A única coisa que ressalta sua diferença é o ciúme da mãe dela, pois às vezes dá para perceber que é só birra”.

“Sair com a Cláudia é, muitas vezes, passar vergonha”, conta Débora, “porque ela fala palavrão, empurra os outros, cutuca”. Daí a gente dá risada, porque não há o que fazer, até que as pessoas percebam”. Kátia, a outra irmã, concorda e fala de outro sentimento. “Eu tenho dó da Cláudia; sei que ela é feliz no seu mundo, mas saber o que eu posso fazer e ela não, me dá dó”.

Roseli tem muita vontade de estudar, segundo seu irmão Hélio, e aí se encontra o maior peso na relação dos dois. “Eu sempre gostei de estudar”, diz ele, “e vendo sua dificuldade, sempre tentei ajudar. O grande desafio é ter paciência, porque causa grande angústia. Você vê ela fazer grande esforço, que resulta quase inútil”.

Enfrentando os amigos

Essa profusão de sentimentos, entretanto, não atrapalha as amizades e demais relações destes irmãos, na maioria dos casos. Além do mais, eles estão sempre prontos a defender os irmãos especiais.

“Quando entrei na Cooperativa Educacional, as meninas não chegavam muito perto do Tiago”, relata Vanessa. “Depois quando elas me conheceram melhor e viram minha relação com ele, foram chegando mais perto, beijando, abraçando, brincando da mesma forma que eu, sem receio nenhum. Agora, mexeu com o Tiago, mesmo que seja criança, eu fico furiosa, vou em cima. Estou sempre corrigindo e explicando que ele é deficiente mental e tem Síndrome de Down”.

João diz que antes era mais preocupado com a Emília, e sempre a defendia, mesmo que ela estivesse errada. “Hoje não fico mais preocupado com ela, pois ela conhece todo mundo, sabe conversar; graças à ela, conheço muita gente, ninguém esquece da Emília”.

Kátia também acha que Cláudia até “ajuda nos relacionamentos, porque ela conversa com todo mundo, servindo às vezes até para aproximar as pessoas”. Débora completa: “Ela está sempre fazendo perguntas para as pessoas, e anda sempre com a nossa turma da rua, onde seu apelido é Gui, eles levam numa boa”.

“Quando eu estava na adolescência”, relata Mônica, irmã do Cristiano, “às vezes tinha vergonha que meus amigos vissem que meu pai era ‘doido’ e meu irmão ‘diferente’. Daí, eu me surpreendi com meus amigos, pois nunca se incomodaram com isso; aliás, eles defendiam tanto meu pai, como meu irmão”.

Estela conta que quando alguém pergunta de sua família, a primeira coisa que fala é da Beatriz. “Não gosto que tenham dó. O amigo é meu, a irmã é minha, eu quero que respeite, não precisa gostar dela; quero que não magoe, não gosto que chegue e fale ‘sua irmã é não sei o que'”.

Qualidades Especiais

Apesar da maior parte dos cuidados com os portadores de deficiência estar a cargo dos pais, alguns irmãos ajudam bastante. Vanessa é responsável pela rotina de Tiago à noite, preparando-o para dormir; Hélio e Roseli perderam o pai à seis anos, e a responsabilidade do irmão aumentou, já que ele é o mais velho da casa. As irmãs de Cláudia lhe dão banho eventualmente e cuidam dela, mas ela não aceita muito, preferindo a mãe.

Uma coisa é certa. Eles têm muito orgulho das qualidades “especiais” dos seus irmãos, percebem seus sentimentos e gostam de tê-los inteiros. Preocupam-se com seu futuro.

“Eu sei quando o Tiago está triste, alegre, cansado”, diz Vanessa. “Agora temos uma diferença mental grande, ele não pensa nas mesmas que eu e sinto solidão por isso. Jogo bola com ele, já que ele sabe chutar, joga basquete que é uma gracinha; ele gosta muito de música, entende tudo, quer tocar piano junto comigo, pede para ver televisão, tem noção do perigo. (…) Ter um irmão deficiente faz com que a gente amadureça mais rapidamente que outras crianças, parece que é um degrau que faz com que você vá sacando outras coisas”.

Kátia e Débora contam que Cláudia gosta de imitá-las em relação as amizades. “Ela também tem as amigas que vão dormir em casa e ficam escutando música e falando de namorados. Escutar música é o que ela mais gosta, e cuidar das gavetas dela, onde mantém tudo organizado, ninguém pode mexer sem sua permissão”. Débora diz que a Cláudia vai morar com ela, quando seus pais morrerem.

“A Emília excedeu as expectativas”, acredita João. “Ela não parou de evoluir mentalmente, passando do que todos esperavam. Acho que o mais importante para os portadores de deficiência são os pais, e os da Emília são muito preparados e souberam lidar com as diferenças dela”.

Estela acha que sua relação com a Beatriz varia conforme o humor desta. “Ela é supercarinhosa, do jeito dela; não é difícil para as pessoas gostarem da Beatriz. Mas acho que seria tão diferente se ela fosse ‘normal’, a gente ia se dar bem, poderíamos conversar à noite, ver televisão juntas”.

“A Márcia é muito meiga”, diz Mônica, “como todas essas crianças. Às vezes é muito teimosa, mas eu seguro bem isso, ela me obedece, acho que porque a trato como qualquer outra pessoa. Ela tem sacadas muito inteligentes, gosta de fazer o que ela quer, como quer. Se a minha mãe morrer, com certeza ela ficará comigo”.

A grande qualidade destacada pelos irmãos do Marcelo é seu permanente alto astral. “É uma pessoa que tem disposição, vitalidade, nunca está deprimido”, diz Lisiane. Roberto conta que eles mudaram de prédio agora em dezembro, e Marcelo já fez uma turma na piscina. “Desde pequeno, o Marcelo foi simpático, sorridente. Ele é animado para ir ao estádio, danceteria, barzinhos, viagens. Acho que ele está se preparando para o futuro; na escola ele já mexe com computador adaptado e já está querendo ter uma casa. Acho que ele pode se desenvolver e participar mais no futuro”.

 

 


(*)Extraído do Jornal da APABB, Associação de Pais e Amigos de Pessoas Portadoras de Deficiências dos Funcionários do Banco do Brasil, Abril/Maio de 1996.

Bonecas pedagógicas ajudam irmãos a expressar sentimentos


O nascimento de um irmãozinho ou irmãzinha com síndrome de Down traz sentimentos contraditórios para os filhos mais velhos de um casal. Em geral, os irmãos ficam tão desnorteados com a notícia quanto os pais, ou ainda mais, quando não lhes é explicado o que está acontecendo, porque todos estão tristes, porque o bebê precisa de tantos cuidados, porque todos falam palavras difíceis ao se referir ao bebê.

Ao mesmo tempo em que sentem ciúmes de tanta atenção, os irmãos percebem que o bebê precisa de sua proteção e carinho. Não gostam do fato de ter um irmão diferente, mas são os primeiros a brigar, se alguma outra criança se refere ao irmão de modo pejorativo.

O esclarecimento sobre a deficiência do bebê, suas possibilidades reais de desenvolvimento e, sobretudo, a informação de que os irmãos podem e devem ajudar neste desenvolvimento são tão importantes para os filhos mais velhos quanto para os pais do portador de síndrome de Down.

Ocorre que nem sempre os pais estão em condições de dar atenção aos sentimentos contraditórios dos filhos mais velhos, ou de esclarecer suas dúvidas a respeito do bebê. Sobretudo porque eles, os pais, também estão precisando de apoio, informação e atenção. Por isso, pode acontecer dos irmãos esconderem estes sentimentos contraditórios, seja para não complicar ainda mais a situação dos pais, seja porque não conseguem atenção suficiente para expressá-los, ou qualquer outra razão.

Por isso, o Bem-me-Quer, grupo de boas vindas a bebês Down, de Campinas, decidiu utilizar as bonecas pedagógicas de pano para ajudar os irmãos a expressarem suas dificuldades. As bonecas de pano já são utilizadas por algumas linhas terapêuticas para ajudar as crianças a representarem situações sobre as quais tem dificuldades psicológicas em falar. Brincando, elas demonstram sua raiva, ciúme, amor, carinho, ou qualquer outro sentimento em relação à boneca, sem correr o risco de ser repreendida.

As bonecas que representam a família foram as escolhidas, neste caso, porque espelham com mais clareza a situação vivida pelos irmãos, mesmo se eles são pequenos. Assim, o Bem-me-Quer procura montar uma familinha de pano, igual à família real do bebê Down recém-nascido, onde o bebezinho, inclusive, tem os olhos puxados dos downs. Estas familinhas são um presente aos irmãos dos bebês Down, na primeira ou segunda visita de apoio feitas aos pais.

Ao observar os filhos mais velhos brincando com a familinha, os pais tem um termômetro de seus sentimentos com relação ao bebê e do grau de compreensão que eles estão tendo do irmaozinho ou irmazinha especial.

A experiência ainda é muito nova para termos condições de analisar seus efeitos, mas é um caminho para suprir a deficiência de livrinhos e materiais ludoterapêuticos para os irmãos de crianças especiais.

 

Agradeceríamos os comentários e sugestões dos pais e profissionais sobre esta experiência, em especial dos psicólogos e pedagogos.

 

Preocupada com o futuro da minha irmã


Eu chamo-me Andreia, e sou irmã da Daniela, a pequenita com SD de 22 meses.

E estou a escrever porque gostava de lançar um tema de debate para vosso grupo de discussão.

Eu sei que não devo ter muitas expectativas quanto ao sucesso escolar de minha irmã.

Eu gostava de saber quais são as oportunidades, no Brasil que as pessoas com SD de conseguirem uma ocupação.

Cá em Portugal há poucas possibilidades, mas alguns conseguem pequenos empregos com atividades rotineiras. Eu conheço um adulto de 50 anos que “trabalha” em um snack bar perto de minha casa tirando cafés e fazendo serviço de balcão. Mas nem todos têm a mesma sorte.

Estou preocupada com o futuro da minha irmã.

 

 

 

Andreia Maurício, Portugal.

Um Down em minha casa

Oi! Eu sou Melissa, tem um downzinho na minha casa, Daniel!

Ele tem cabelos loiros e olhinhos puxados, é gordinho e tem costume de por a língua para fora.

Ele aprende muito devagar e cresce lentamente, mas é carinhoso e sempre acha um jeito de nos fazer sorrir.

Não se pode deixá-lo aprender sozinho e nem só com a fisioterapia, o apoio da família supera quase tudo.

Daniel gosta de: brincar, passear, ser aplaudido, aprender a viver no meio de nós, ele adora as outras pessoas e ama a participação dos irmãos.

No começo os irmãos sentem inveja e dificuldade em aceitá-lo na família, mas na convivência eles compreendem que tem um probleminha e precisa de um pouco mais de carinho, mas não é por isso que nossa mãe vai deixar de nos amar.

Agora eu vou explicar como nasceu um Down e não uma pessoa normal: na hora de um bebê nascer as células se dividem em pares (2 em 2) e cada par fica responsável por uma característica do bebê, ex: cor dos olhos, cor do cabelo, etc… No total são 46 células divididas em 23 pares e na Síndrome de Down no par 21 nasce um terceiro e vira um trio, que altera parte das características e o cérebro do bebê. Mas, como nasce essa terceira células, só Deus sabe.

Daniel vai na escola Ativa e tem amigos, participa de tudo e além disso a família o apoia muito. Ele gosta de música e, às vezes, fica com seu irmão mais velho ouvindo Rock.

Melissa de Miranda